23 de fevereiro de 2011

Violência contra crianças e adolescentes


As crianças confiam nos adultos. Esta relação de confiança e de afeto entre crianças e seus cuidadores é a base da constituição psíquica do ser humano. No entanto, para muitas crianças esta relação é caracterizada por cenas de violência, por contratos secretos ou segredos familiares e pela presença de ameaças. Ou seja, para muitas crianças estes vínculos iniciais são baseados por sentimentos de insegurança e de medo. Os maus-tratos contra crianças e adolescentes envolvem diferentes categorias de violência, incluindo o abuso sexual, o abuso físico, o abuso psicológico, o abandono e a negligência.
De um modo geral, duas características específicas são observadas a partir dos dados epidemiológicos sobre o tema. A primeira, envolve a quebra da confiança da criança com seu protetor/cuidador, uma vez que a maioria dos casos, em torno de 80%, é perpetrada por uma pessoa afetivamente próxima a ela, que, a princípio, deveria promover segurança, conforto e bem-estar psicológico. Estudos indicam que o pai biológico e o padrasto são as figuras abusivas mais freqüentemente denunciadas nos casos de abuso sexual infantil. A segunda característica se refere ao gênero feminino, uma vez as meninas são mais frequentemente vítimas de abuso sexual, enquanto que meninos sofrem mais de abuso físico. A idade de início do primeiro abuso é em torno de cinco a oito anos, sendo que há casos em que meninas chegam a ficaram presas por mais de uma década ao ciclo de violência. E, muitas meninas, se tornam mulheres adultas sem nunca terem revelado a sua trajetória de violência intrafamiliar.
E por que é tão difícil a criança revelar o abuso sexual sofrido? Inicialmente, deve-se considerar que crianças pequenas podem ter mais dificuldade em compreender a situação abusiva em que são introduzidas pelo adulto perpetrador, devido à imaturidade emocional da criança e à presença de atos menos severos e intrusivos. Os abusos mais severos, em geral, ocorrem quando o abusador já conseguiu envolver a criança dentro de seu jogo de sedução e coação. Segundo, quando o abuso é praticado por alguém com quem ela é afetivamente dependente, mais difícil se torna para a criança a revelação. Terceiro, a criança só terá condições de fazer uma crítica ou julgamento adequado do tipo de afeto que ela recebe (entre afeto e afeto sexualizado ou afeto baseado em ameaças e segredos) com seu amadurecimento e vivências fora do contexto familiar. Quarto, o abusador, em geral, usa de ameaças e coações para impor o silêncio sobre a vítima e os demais familiares.
E quando ela revela, muitas vezes, não há pessoas capazes de escutá-la, de protegê-la e de confiar no que está nos contando. Nesse sentido, qualificar este momento de revelação, com atitudes acolhedoras e protetoras são importantes para se romper o silêncio. Desta forma, precisamos de profissionais suficientemente capacitados para o acolhimento e para as intervenções que assegurem proteção a esta criança nos diferentes serviços da rede de proteção. O processo de denúncia e de notificação requer comunicação e colaboração dos diferentes segmentos que compõem a rede de proteção da criança, do adolescente e da família. O trabalho interdisciplinar e questões éticas pautam as intervenções realizadas pelos serviços da rede, buscando proteger à vítima.
Ressalta-se que qualificar os conselheiros tutelares e os demais profissionais da rede de proteção sobre a dinâmica do abuso sexual intrafamiliar é uma das intervenções que podem favorecer o reconhecimento de situações abusivas. A acolhida em um ambiente seguro favorece o processo de revelação. Além disso, os conselheiros tutelares ao adotarem medidas de proteção à criança vítimas rompem o ciclo de violência e buscam garantir os direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Para tanto, conhecimento sobre como abordar e encaminhar estes casos é fundamental nas intervenções do dia a dia do conselheiro tutelar, a fim de que não provocar o que denominados de abuso psicológico secundários nas crianças vítimas. 
A atuação dos profissionais da rede de serviço de proteção a vítimas de violência deve ajudar as pessoas a saírem ou interromperem o ciclo de violência no qual estão inseridas. O fornecimento de suporte psíquico nestes casos pode contribuir para diminuir os efeitos psicossociais que a violência produz nas crianças, nos adolescentes e nas famílias. Nesse sentido, os serviços de saúde podem funcionar como uma rede de apoio social as famílias, que muitas vezes encontram-se fragilizadas. E, a inclusão do abusador no atendimento psicológico é, atualmente, um dos grandes desafios para os programas sociais de referência no atendimento de situações de violência doméstica. Garantir a proteção da criança é o primeiro passo. No, entanto, garantir o atendimento à família e ao abusador, é o segundo, pois só assim podemos trabalhar para o rompimento do ciclo de violência familiar. 

Jeane Lessinger Borges
Psicóloga, Mestre em Psicologia e Docente do Curso de Psicologia da Faculdade IENH.

Nenhum comentário:

Postar um comentário